Director do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do IPOLFG

Director do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do IPOLFG

Presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia (2000-2002)

Presidente do Grupo de Estudos de Cancro de Cabeça e Pescoço (2010-2014)

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quarta-feira, 10 de setembro de 2014

CONGRESSO DA IFHNOS E DA AHNS - NEW YORK SEPTEMBER 2014








Vivemos tempos difíceis no SNS







Tempo de dificuldades e de reflexão, com uma necessidade de reverter a situação de desmoronamento na qualidade do exercício clínico em que na minha opinião entrámos desde há cerca de uma década.

Este pressuposto poderá para muitos não constituir uma realidade.

A Ordem dos Médicos poderá rebater e negar esta minha afirmação, as diferentes associações médicas insurgirem-se contra a minha opinião, o Governo opinar sobre a falsidade desta minha afirmação, as estatísticas demonstrarem o oposto, no entanto a minha convicção pessoal de degradação, após quarenta anos de exercício médico público, constitui um sentimento real que tenho de encarar e manifestar.

Não me sentiria bem comigo próprio se o não dissesse.

Os primeiros trinta anos da minha actividade médica foram seguramente caracterizados por uma melhoria acentuada dos serviços prestados reflectindo-se nos indicadores essenciais que podem avaliar um serviço de saúde.

Criou-se o SNS e com ele é indubitável a melhoria de todos os índices de qualidade da assistência médica em Portugal.

As carreiras médicas, iniciadas antes do 25 de Abril de 1974 pelo então Bastonário da Ordem dos Médicos, Professor Miller Guerra, passaram a ser uma realidade.

A divisão de diversas facções políticas dentro da OM no período pós 1974 constituíram momentos únicos de discussão da classe protagonizados pela polarização de posições assumidas quer pelo Professor Pinto Correia quer pelo Professor António Gentil Martins.

Divisões políticas entre grupos e pessoas de craveira científica e médica inquestionável.

Durante esse período assistimos à participação activa de milhares de médicos na discussão dos diferentes modelos de assistência médica pública, que constituíram momentos altos da classe médica na sua globalidade.

Embora tenha havido erros e excepções que contrariam o ciclo que aqui apresento, na generalidade o que afirmo constituiu uma realidade no período ate 2004, ano da resignação do XV Governo Constitucional liderado pelo Dr. Durão Barroso tendo como ministro da saúde o Dr. Luís Filipe Pereira.

Vivemos hoje em dia os louros dessa mudança.

Mas entre 2004 e 2008, a progressiva acumulação do deficit, culminando com a crise do subprime nos EUA e a contaminação dos sistemas financeiros em todo o mundo, assistimos internamente a uma redução do PIB com um aumento exponencial do deficit.

Este período vivido num país com as suas reservas financeiras desbaratadas numa tentativa frustrada de contrariar a crise através do investimento público, pelo recurso as PPP e aos SWAP’s, culminou no pedido de intervenção da troika com queda do XVII Governo Constitucional liderado pelo Eng. José Sócrates e eleições gerais que levaram o Dr. Pedro Passos Coelho a chefia do XVIII Governo Constitucional.

As metas de redução do deficit a que se impôs este governo de acordo com o programa traçado pela troika pelo governo anterior do PS e pelo PSD/CDS, tem levado desde 2008 a um desinvestimento no sector público de saúde, com redução percentual dos gastos em pessoal e em bens e serviços.

Todos concordamos com a necessidade de racionalizar os custos da saúde e na necessidade de evitar cortes cegos.

Não temos qualquer dúvida sobre esta necessidade.

Infelizmente não é a isto que temos assistido na sua globalidade, o que tem levado à condenação de serviços e unidades diferenciadas e especializadas.

Serviços que se encontram no fim da linha onde acorrem os doentes depois de múltiplas opiniões e tratamentos, serviços com necessidade de um reforço da sua despesa para acorrer a situações clínicas progressivamente mais graves e em grupos etários cada vez mais avançados.

Mas outro factor marcante aconteceu na área da saúde, na década de 2000 a 2010.

A criação de Hospitais Privados e a institucionalização de um novo conceito de prestação de serviços médicos na área privada em regime Hospitalar.

Esta realidade replicada posteriormente com a criação e requalificação de novas unidades e a institucionalização das PPP na área da saúde, todas elas financiadas em grande parte pelo Estado mas com sistemas diversos de financiamento do sistema público, tornou desigual a convivência igualitária dos dois sistemas, alterando radicalmente as bases em que assentava o SNS.

Redução do pessoal médico com progressiva deslocação e aliciamento destes para o sector privado com estatutos remuneratórios mais compensadores, redução dos efectivos de enfermagem com saída progressiva dos profissionais para países em que se torna mais atractivo o desempenho da profissão, corte na aquisição ou reposição de material de consumo essencial para o tratamento dos doentes, acréscimo do trabalho desempenhado contrastando com uma redução da remuneração uma subida dos impostos e um aumento da carga horária, ausência de qualquer tipo de incentivos quer eles fossem pecuniários quer pelo simples reconhecimento público institucional, emergência do “lobby dos Administradores Hospitalares” autocaracterizando-se de realistas, humanos e infalíveis, interpretes fieis dos desígnios da tutela, sobrepondo os seus interesses ao dos doentes única razão de ser do SNS, deslocalização de serviços, unidades, urgências e centralização de outros com pseudo argumentos de melhoria dos cuidados prestados, tudo são exemplos de uma politica do SNS que impreterivelmente levará à sua implosão.

Poderão contra-argumentar dizendo que o meu pessimismo não tem fundamento, que o sector privado pode colmatar as falhas do serviço público, que o Estado Social constitui na actual situação de insustentabilidade uma utopia, etc.

Tenho 65 anos, não me considero um sonhador, estou ciente das dificuldades, sempre privilegiei o sector público e não me considero desprovido de qualquer réstia de inteligência.

Manter o “status quo” da estrutura Hospitalar pública é condená-la definitivamente ao fracasso.

E pura e simplesmente entregar todo o SNS ao sistema privado, restando alguma unidades públicas vocacionadas para os indigentes.

Manter o SNS, com a coabitação essencial do sector público e privado, exigiria, uma delimitação clara dos profissionais de cada instituição, condições concorrenciais iguais, sistemas de financiamento semelhantes, alteração total de toda a estrutura Hospitalar Pública com a criação de Serviço e Unidades Autónomas com orçamento próprio, com sistemas remuneratórios individualizados, com regimes de trabalho diferenciados.

A gestão deveria ser centralizada num responsável com uma larga autonomia financeira e técnica, com total autoridade perante todos os profissionais, devendo ser responsabilizado e respondendo directamente perante a Administração pelo desempenho e resultados da unidade ou serviço a seu cargo.

No início do actual mandato do XVIII Governo Constitucional escrevi ao Exmo. Senhor Ministro da Saúde, Dr. Paulo Macedo, por sua solicitação, expondo-lhe esta minha ideia e sugestão.

A alteração radical de toda a estrutura Hospitalar.

Não obtive qualquer resposta.

Esta autêntica revolução não interessa a muitos.

Não tenho a menor das dúvidas que toda esta política é deliberada, emerge do próprio ministério sendo evidente a premeditação quanto à implosão do sistema público de saúde.

Tudo acontece perante a passividade dos portugueses que vêem comprometidas todas as suas esperanças mas que por passividade mantêm uma atitude de expectativa que neste momento penso não se justificar.



Dr. Jorge Rosa Santos

SERVIÇO NACIONAL DE SAUIDE